terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Ta na hora de levantar os pratos, tchê!!!

A vida dele  era assim: pura simplicidade. A  chuva fininha  caindo lá fora, o tempo passando lentamente. No campo, os arrozais prenunciando fartura, o gado engordando na invernada, o arroio correndo suave, fazendo curvas sinuosas pelo campo. Maravilhas da natureza e aquela imensidão a perder de vista. Eles eram felizes naquele mundo de muitas fronteiras. Trabalhadores, ele e seus pais levantavam antes do sol clarear. O chimarrão já estava pronto e  a cuia passava de mão em mão. Primeiro o pai, depois o filho mais velho, até chegar ao caçula. Era um ritual. Quase sagrado. A mãe, comandava a cozinha, cuidava das criações , da horta, da costura, dos biscoitos que saíam quentinhos do forno de barro.Só  iam à cidade quando havia muita precisão: um médico, a compra de um tecido, de produtos que não tinham no seu quintal. As crianças estudavam   na  pequena escola da comunidade, para onde também vinham aqueles que moravam nos arredores.  Conviviam com a diversidade. Era só pular as pedras do  arroio que já estavam em outro país. Achavam natural a mistura dos idiomas, dos costumes e tradições. Mais adiante, o remanescente de uma antiga tribo indígena, com seu artesanato, seu falar diferente, suas danças rituais e alegria. Não havia televisão, celular não pegava, a eletricidade demorava para chegar, portanto, as noites ou eram iluminadas pela lua , ou pela fogueira. Alguns políticos que passavam por lá em época de eleições,  prometiam trazer mais conforto para a comunidade: água encanada, luz elétrica, uma antena coletiva para captar o sinal de televisão, telefonia. Passado algum tempo, eles eram esquecidos. Mas, tudo bem, estavam felizes ali, longe  das mazelas da modernidade. À tarde, cada um pegava seu banquinho, colocava na frente da casa. Era para contar os fatos do dia, as novidades do campo, a peraltice de um guri. Trocavam quitandas, delicadezas. Conviviam. A gurizada ficava por perto,  jogando bola de gude, bola de meia, fazendo bichinho de barro, de sabugo de milho.  As meninas faziam suas bonecas com sobras de tecidos, colocavam olhos de botões e cabelinhos de lã. Desde cedo cuidavam  da casa, do fogão aprendiam a, fazer as quitandas, pilar o arroz...Não tinham as necessidades de um mundo que desconheciam. No mundo em que viviam não havia violência, desconfiança, desonestidade. E eles amavam aqueles campos, o barulho das águas correndo entre as pedras, a imensidão do céu, claro de estrelas.
Um dia, ele decidiu deixar a comunidade. Queria explorar novos mundos, aprender outras coisas, entender como vivia a gente da cidade. Sabia que há qualquer momento poderia voltar para a segurança da casa materna. Trabalharia com qualquer coisa. Não tinha medo das dificuldades, enfrentaria tudo, pois queria continuar seus estudos e na pequena comunidade, a escola rural só oferecia as primeiras lições. Chegou na cidade com poucos pertences, a recomendação para a casa de um amigo, a esperança de um futuro melhor. Logo começou a trabalhar. Fazia de tudo: ferrava animais, trabalhava como ajudante de pedreiro, capinava. À noite, escola. Apesar do cansaço, seguia em frente, mas nunca se esquecia do que aprendera com os pais  De manhã, o chimarrão era sagrado. Era um modo de trazer para bem perto a lembrança mais querida.  Era o seu momento de felicidade, seu pedacinho do céu. Depois, preparava o rancho e saía para o trabalho. 
À medida que o tempo ia passando, se adaptava ao ritmo da cidade, mas sempre que podia, aos domingos, visitava a comunidade. Ia cheio  de agrados: um tecido para a mãe, um calçado para o irmão, um caderno, um prato de louça. Presentes de carinho. Já chegava gritando, chamando pelos seus. Hora do chimarrão com o pai, de um biscoito quentinho feito pela mãe, do afago de um irmão. Tinha tanta coisa para contar e muito para ouvir.E matar a saudade, fazer um depósito de ternura até a próxima volta. Então a conversa corria solta, vinha um e outro da comunidade. O pessoal ia se achegando, para espiar aquele filho querido e saber de suas coisas. Conversa gostosa que corria solta, sem perceberem o tempo passar.  De repente, o gaúcho mais velho levanta de um pulo, bate as botas  no chão e  diz: vamo logo embora minha gente. A barriga ronca, tá na hora do rancho e daqui a pouco o povo começa a levantar os pratos, tchê!




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