segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Carnaval, festa do povo?

    A vida tem muitos paradoxos: alegria e tristeza, vida e morte, calamidade e reconstrução, os muito ricos e os muito pobres convivendo lado a lado. É um ciclo contínuo, uma engrenagem que se move de tal maneira que nem sempre nos damos conta de perceber  cada  detalhe, perdemos a capacidade de apreciar as minúcias e aos nossos olhos, tudo se transforma em lugar-comum.
   Tenho o hábito de assistir jornais e desfiles nesse período. Mais que isso, não sou fiel à nenhuma emissora  ou  a nenhum programa. Se  está bom, fico ali, se piora, imediatamente procuro algo que me agrade, que prenda minha atenção e que valha a pena, afinal, todos os dias despejam nas nossas casas tantas coisas desnecessárias. Passaríamos muito bem sem algumas informações que nada acrescentam à nossa rotina diária.É o festival da futilidade e do besteirol. Como  bem escreveu o  Stanislaw Ponte Preta: Febeapá. E como estamos vendo besteiras neste Carnaval. As pessoas parecem entorpecidas e nesse momento se esquecem de todas as dificuldades, tragédias, fome e violência. Estamos no paraíso, no país do Carnaval e da alegria. Nossa vida agora gira em torno do sambódromo do Rio ou de São Paulo ou do circuito Barra\Ondina, ao sabor dos trios comandados pelas estrelas. "Atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu". Isto era antigamente. Agora, só vai quem pode!
    Na minha infância  brincávamos o Carnaval na rua((ali era o espaço do povão, daqueles que não tinham dinheiro para pagar a entrada no clube, nas matinês). Alguém colocava um aparelho de som, comprávamos confetes e serpentinas, improvisávamos a fantasia e pronto. Curtíamos o carnaval na maior democracia. Bloco bom,  era o "Dos Sujos" . A turma ia até a beira do ribeirão que cortava a cidade, rolava na lama, pegava alguns talos e folhas de mamona e estava pronta a fantasia. Era só sair  pela cidade, atrás da banda, formada com poucos instrumentos, mas o suficiente para fazer barulho e alegria.
    Ontem vi o sambódromo. O  público pagante subia as escadas para aguardar o desfile.Nem consigo imaginar quanto custa assistir o desfile das escolas de samba no Rio de Janeiro ou em São Paulo. Deve ser realmente um espetáculo e tanto e para isto, existe um preço. Mas não deixei de ver também, num cantinho, quase uma fresta,  o espaço reservado para os não-pagantes. Devem ficar com a cabeça torta e torcicolo na tentativa de enxergarem alguma coisa da avenida.Pelo menos conseguem ouvir o som da bateria e os puxadores com suas vozes potentes.
    Não sou   da folia. Talvez seja mais  uma saudosista. Gosto das antigas marchinhas, das músicas  brejeiras da minha infância. As melhores lembranças que tenho do Carnaval estão permeadas por músicas como: ô abre alas que eu quero passar, bandeira branca, olha a cabeleira do Zezé , vestiu uma camisa listrada e saiu por aí e outras tantas que já caíram no esquecimento, ou são desconhecidas das pessoas que têm menos de meio século.A moda agora é axé, sertanejo universitário, funk, pagode.....
     Na cidade onde nasci existe um bloco super -democrático a que chamam de "Boi da manta". Uma cabeça de boi, uma armação de madeira coberta de chita colorida, uma banda e o povo atrás, com fantasias improvisadas, crianças e velhos, ricos e pobres. Ninguém paga nada e a diversão é garantida .
       Não nego em momento algum a importância turística do Carnaval. Recebemos gente do mundo todo,  os hotéis ficam com a lotação praticamente esgotada, dinheiro circula a rodo e as pessoas aproveitam para relaxar, "soltar os bichos", recarregar bateria para o ano  que  com certeza não será fácil. Depois da folia vêm os impostos(aliás, já estão ai), as contas que não param de chegar, a mensalidade da escola, etc, etc. Mas não consigo deixar de pensar em todo o dinheiro que circula nesse período. É muita utopia, mas, e se ele fosse empregado nas escolas(que não são de samba), na saúde(que já está sambada há muito tempo), na construção de casas para a população menos favorecida? Por que existe tanto dinheiro para o Carnaval e falta o mínimo  para as coisas mais essenciais?
    Quando os blocos passam, deixam atrás de si uma sujeira, uma confusão, as pessoas destroem os monumentos, o desperdício é inegável. Aquele montão de dinheiro foi pelo ralo, as pessoas viveram alguns dias de alegria, de euforia e após, precisam voltar  para a realidade das nossas cidades. E o que é pior, parece que durante estes dias em que ficaram  entorpecidos com a euforia, se esqueceram das  próprias misérias. Passada a festa  todos  nos lembramos da pobreza, do caos na saúde e as dificuldades de sobrevivência que os muito pobres se  sujeitam cotidianamente. Faltam leitos nos hospitais, remédios essenciais, pessoas continuam vivendo debaixo de viadutos, menores abandonados, usuários de droga sem tratamento, violência, fome, miséria, tudo isso lado a lado com a riqueza que resplandece  para os mais privilegiados.  O brilho e a purpurina, as plumas e paetês foram guardados para o próximo ano. E muitos continuam vivendo a fantasia, esperando que as coisas mudem. Depois, vão às cinzas, relembrar que voltarão ao pó. É uma pena, uma abstração, nada mais.


  

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