sábado, 23 de fevereiro de 2013

Somos todos um pouco loucos.

 É incrível como a loucura sempre esteve presente na  vida. Quem  não conhece ou conheceu algum louco ou melhor, não cometeu   algumas pequenas e grandes loucuras? Aliás, atualmente anda difícil saber qual é o limite do equilíbrio e a fronteira da loucura  , pois  existem momentos em que  saímos "um pouco" do prumo e nos damos ao luxo de pequenas  insanidades em nome do desejo, do medo, para satisfazer uma curiosidade, em nome da amizade, família e tantas outras coisas mais. Se o  que hoje vemos com  naturalidade acontecesse há alguns anos, certamente teria desdobramentos  não muito agradáveis. Alguns seriam   colocados numa camisa de força, numa casa de repouso, a bem do sossego e tranquilidade da coletividade. Quantos morreram esquecidos em Barbacena, na colônia Juliano Dias e outros manicômios? Hoje  somos "tratáveis" com muitos  medicamentos que escamoteiam as nossas tristezas e dores. E fica tudo aparentemente normal. Ninguém precisa mais se preocupar: temos remédio para a depressão, para o sono, para dor de cotovelo. As  pílulas "milagrosas" fazem com que esqueçamos nossas angústias. E esse talvez seja  o problema:  esquecemos, não nos curamos e à cada dia, mais e mais questões insolúveis  surgem. É a poupança com o maior rendimento, maior do que o que  da Mega acumulada.
Quantos loucos passaram por nossa vida? Quantos ainda estão presentes em nosso cotidiano?  Eu conheci alguns,  convivo com muitos,  e ouví falar de outros tantos. Um deles tornou-se quase folclórico na minha  cidade . Andava com um saco às costas, vendendo verduras e hortaliças que plantava num pedaço de terra herdado dos pais. Vivia sozinho, não se dava com ninguém. Um  esquisito, diziam. Mas era quase manso, bastava não chamarem pelo apelido que ele  seguia tranquilo,  oferecendo com seu vocabulário tosco, os produtos que trazia da roça:  dona, quer comprar 'jió'? tá verdim, verdim. Se a freguesa agradava do produto, ele estipulava  o preço. Aleatoriamente.  Para cada pessoa ele decidia quanto queria cobrar. Não tinha a mínima noção do valor do dinheiro e as pessoas com mais consciência, pagavam o preço justo  e ele saía satisfeito. Ficava satisfeito com algumas moedas, bastava ser bem tratado. Ficava agradecido quando o chamavam por seu nome: Jósé. Só que sempre havia alguém para gritar o apelido: Zé Muié. Ai começava a mais verdadeira confusão. José largava os produtos  e corria atrás do " insurtadô" , pedras na mão, porrete, qualquer coisa que encontrasse pelo caminho servia para  exemplar o sujeito. E ainda descia as calças para mostrar "os dicumento" e provar que era home-macho.  E dá-lhe um arsenal de palavrões inacreditáveis e hilários, pois ele  não conseguia articular bem as palavras e nisso residia o motivo do povo gostar tanto de irritá-lo. Coisas da turba, " rude e ignara",  que se comprazia com o desequilíbrio  de quem não conseguia se manter na corda bamba,   ou talvez não tivesse ao seu alcance as famosas "pílulas da alegria".
Um outro era verdadeira figura. Sempre muitíssimo bem vestido, não faltava às missas, procissões e quermesses.  Adorava  participar das ladainhas, jejuns e eventos religiosos na cidade  e nas cidades próximas. Gostava muito especialmente da procissão de Bom Jesus de Matozinhos. Vela em punho, mãos postas e oração nos lábios, certo dia ele seguia a procissão quanto um gaiato gritou: aí "Rolete", tá rezando para Bom Jesus  curar a  sua loucura? Pronto, foi aquele fuzuê. "Rolete", não sabendo de onde viera o malfadado comentário, começou a gritar e  agredir as pessoas que estavam na procissão. E por pouco não foi linchado pelos que não o conheciam e que  não sabiam  que ele era boa pessoa. Só reagia ao que considerava deserespeito a um "cumpridor das leis de Deus". Infelizmente  o povo adora ver a loucura se manifestando e,  anos a fio,  sempre havia alguém para gritar o apelido que tanto o irritava, até que  chegou um dia e ele perdeu completamente a noção das coisas. Precisou  ser internado em casa de tratamento e dele nunca mais se teve notícias.
O caso mais engraçado que ouvi contar, não sei se é verdade,   foi de um advogado. Dizem que era um orador brilhante, genial. Ganhava todas as causas e tornou-se um homem muito rico. Nas horas vagas,  dedicava-se ao desenho, principalmente de rostos. Após alguns anos vivendo e trabalhando normalmente, um dia ele surtou. Começou a falar coisas estranhas, dizer que via figuras horrendas, às vezes, sem motivo aparente, começava a gritar, rolava pelo chão e tentava tapar os ouvidos. Após acalmar-se um pouco, dizia ouvir vozes   e que estava sendo perseguido. Seus desenhos passaram a ser rabiscos. Só não descuidou da  aparência. Barba bem feita, ternos  sob medida, ele perambulava pela cidade, carregando uma cadeira e folhas para desenho. Quando encontrava algum conhecido , convidava-o  para assentar-se na cadeira, que ele iria fazer a mais verdadeira obra de arte. Alguns, por deferência ou constrangimento, aceitavam. Outros, fingiam não entender. Ele rabiscava rapidamente e apresentava à pessoa com gestos de grande mestre. Sempre esperava que a obra fosse muito elogiada. Se o elogio não fosse à altura de tão bela obra,  ele rasgava as folhas  e tentava agredir a pessoa. Contam que certa época,  ele estava muito agitado e surgiram queixas de suas andanças e escorraças  pela cidade. A situação agravou quando ele tentou puxar a escada de um pintor de paredes. Ele foi chegando de mansinho e sugeriu: Ô fulano, segura no pincel que eu vou tirar a escada. Se você  tiver força de vontade, fica colado à parede. O pintor, desceu correndo as escadas e foi até a família exigir providências. Então decidiram interná-lo, não dava mais para ignorar o perigo que ele representava.  Foi designado para tal mister, um irmão com o qual ele às vezes conversava normalmente. Falavam de pescaria, música erudita e causos jurídicos, afinal, tinham muito em comum, inclusive a profissão. Esse irmão foi encontrá-lo andando pelas ruas e sugeriu que fizessem um passeio até a cidade grande, quem sabe poderiam comprar um terno novo? Estava precisando renovar o guarda-roupa e como ele tinha bom gosto, queria a sua companhia.  Estranhou a presteza com que o convite foi aceito, sem maiores  questionamentos  e pensou com seus botões: coitado, sequer imagina que o estou levando para ser internado. E foram conversando amenidades. A viagem não era longa, pouco menos de uma hora. Quando chegaram à casa de saúde, o irmão, por desencargo de consciência , decidiu revelar o motivo de estarem ali:  sabe meu irmão, estou trazendo você para se tratar. É importante, acredito que dentro em breve poderei voltar para buscá-lo e com certeza,  ficará tudo bem. É uma excelente casa de saúde, foi muito bem indicada. Fica bonzinho aqui que eu vou pegar suas coisas no porta-malas.  Dizem que o louco ouviu tudo calado, numa total indiferença.Era como se naquele momento não se desse conta de nada. Coitado, pensou o irmão, ele reconheceu a necessidade do tratamento. Se não argumentou e aceitou tão bem quem sabe está num momento de reconhecimento de seu problema? Fizemos uma viagem tão tranquila, ele não teve crise, parecia uma pessoa normal. Olha só, está se dirigindo para a recepção, não deu nenhum trabalho quando eu contei a verdade.   Ledo engano. O louco(que era inteligentíssimo) saiu, mãos nos bolsos  enquanto o irmão tirava a mala do carro.   Na recepção,  declarou com seriedade: Por favor, me ajudem, estou trazendo meu irmão que está  completamente enlouquecido. Ele tem mania de dizer que é advogado, que é pessoa importante na cidade, é casado, enfim, tem surtos  de grandeza, vocês verão. Não se enganem com aparência, com o jeito de falar. Realmente ele foi um excelente causídico, mas, sabem como é, a loucura tomou conta, não há nada mais a fazer. Sinto muito, mas o jeito é interná-lo.  E o que é pior, agora está dizendo que eu sou o  louco e que veio me internar.  E fala com tal veemência que todos acreditam. Quero que deem a ele o melhor tratamento. Eu e minha família não sabemos mais o que fazer. Ele está louco, descontrolado e agitado. Anda agredindo as pessoas, vocês não acreditam do que ele é capaz. O irmão chegou em tempo de ouvir a última frase, ao que retrucou: você está mesmo louco,  acha que as pessoas vão acreditar nessa presepada?Olhe bem para você, olhe o seu aspecto. Qual o quê, o outro retrucou. Dê-se ao respeito que sou um homem de bem.  Contam que foi um verdadeiro transtorno para o irmão normal provar que ele não era o louco. Mesmo porque, quem é que vai ficar calmo numa situação dessas?  A coisa só não tomou rumos piores  porque, satisfeito com a traquinagem, o louco começou a pular e a dançar na frente do todos e dizia: viu que sou mais inteligente do que você? Agora você vai ficar ai  e eu vou voltar para a cidade. Mas antes, vamos fazer um retrato. O momento merece. Tirou do bolso do terno umas folhas amassadas, um toco de lápis e começou a fazer uns rabiscos. Foi imediatamente  agarrado pelos enfermeiros e passou um bom tempo por lá.
Depois dele, outros loucos surgiram. Cada um com sua mania, alguns engraçados, outros violentos, outros, nem tanto....
Nas grandes cidades perambulam os "loucos de todos os gêneros", alcoólatras, viciados, maníacos. Basta passar pelas esquinas que invariavelmente nos deparamos com um. Alguns falam sozinhos, outros cantam, outros pregam para ninguém ouvir, anunciam o fim do mundo e inúmeros castigos. Outros tantos dançam pelas ruas, fazem gestos obscenos, gritam palavrões, se exibem, enfim, tem para todos os gostos e todos os olhares. E muitas vezes ficamos com medo ao nos deparamos com essa situação. Talvez nos lembremos da nossa própria "loucura", despistada por nossas pílulas mágicas. 
Mas não podemos negar. A loucura é de fato fascinante, tanto é que permeia não somente o imaginário popular, quanto é objeto de estudo dos cientístas, de inspiração para a música, e tantas outras coisas. E quantos "loucos" ou tidos como enlouquecidos foram artistas maravilhosos: Van Gogh, Paul Gauguin,  Camille Claudel, Mary Shelley, Virgínia Woolf e Ernest Hemingway. Edgar Allan Poe tinha problemas com bebida e sobre sua loucura, escreveu:
"Homens me chamaram de louco; mas a questão ainda não está definida, se loucura é ou não é a sublime inteligência - se muito disso é glorioso - se tudo isso é profundo - não emerge da doença ou do pensamento - dos humores da mente exaltada às expensas do intelecto geral".
É do conhecimento de  muitos que Ozzy Osbourne mordeu a cabeça de um morcego durante um show e que JamesTaylor compôs suas primeiras músicas quando estava internado para tratar de depressão, isto, aos dezessete anos. A televisão e os jornais, vez por outra mostram a loucura cometida por algum famoso. Nem sempre eles vão para as casas de tratamento....
Portanto, de alguma maneira conhecemos, convivemos ou admiramos  alguém que está na corda bamba. O momento em que ela vai balançar e nos atirar no vazio, só o tempo dirá. Pensamos que sabemos tudo, damos conta de cuidar de tudo, temos remédio e solução para todos os problemas, não somente nossos, mas dos outros também. Mas a questão é que as coisas estão muito além do que imaginamos e de repente podemos nos surpreender. Como dizia o poeta: "dizem que sou louco, mas mais louco é quem me diz, que não é feliz".






segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Carnaval, festa do povo?

    A vida tem muitos paradoxos: alegria e tristeza, vida e morte, calamidade e reconstrução, os muito ricos e os muito pobres convivendo lado a lado. É um ciclo contínuo, uma engrenagem que se move de tal maneira que nem sempre nos damos conta de perceber  cada  detalhe, perdemos a capacidade de apreciar as minúcias e aos nossos olhos, tudo se transforma em lugar-comum.
   Tenho o hábito de assistir jornais e desfiles nesse período. Mais que isso, não sou fiel à nenhuma emissora  ou  a nenhum programa. Se  está bom, fico ali, se piora, imediatamente procuro algo que me agrade, que prenda minha atenção e que valha a pena, afinal, todos os dias despejam nas nossas casas tantas coisas desnecessárias. Passaríamos muito bem sem algumas informações que nada acrescentam à nossa rotina diária.É o festival da futilidade e do besteirol. Como  bem escreveu o  Stanislaw Ponte Preta: Febeapá. E como estamos vendo besteiras neste Carnaval. As pessoas parecem entorpecidas e nesse momento se esquecem de todas as dificuldades, tragédias, fome e violência. Estamos no paraíso, no país do Carnaval e da alegria. Nossa vida agora gira em torno do sambódromo do Rio ou de São Paulo ou do circuito Barra\Ondina, ao sabor dos trios comandados pelas estrelas. "Atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu". Isto era antigamente. Agora, só vai quem pode!
    Na minha infância  brincávamos o Carnaval na rua((ali era o espaço do povão, daqueles que não tinham dinheiro para pagar a entrada no clube, nas matinês). Alguém colocava um aparelho de som, comprávamos confetes e serpentinas, improvisávamos a fantasia e pronto. Curtíamos o carnaval na maior democracia. Bloco bom,  era o "Dos Sujos" . A turma ia até a beira do ribeirão que cortava a cidade, rolava na lama, pegava alguns talos e folhas de mamona e estava pronta a fantasia. Era só sair  pela cidade, atrás da banda, formada com poucos instrumentos, mas o suficiente para fazer barulho e alegria.
    Ontem vi o sambódromo. O  público pagante subia as escadas para aguardar o desfile.Nem consigo imaginar quanto custa assistir o desfile das escolas de samba no Rio de Janeiro ou em São Paulo. Deve ser realmente um espetáculo e tanto e para isto, existe um preço. Mas não deixei de ver também, num cantinho, quase uma fresta,  o espaço reservado para os não-pagantes. Devem ficar com a cabeça torta e torcicolo na tentativa de enxergarem alguma coisa da avenida.Pelo menos conseguem ouvir o som da bateria e os puxadores com suas vozes potentes.
    Não sou   da folia. Talvez seja mais  uma saudosista. Gosto das antigas marchinhas, das músicas  brejeiras da minha infância. As melhores lembranças que tenho do Carnaval estão permeadas por músicas como: ô abre alas que eu quero passar, bandeira branca, olha a cabeleira do Zezé , vestiu uma camisa listrada e saiu por aí e outras tantas que já caíram no esquecimento, ou são desconhecidas das pessoas que têm menos de meio século.A moda agora é axé, sertanejo universitário, funk, pagode.....
     Na cidade onde nasci existe um bloco super -democrático a que chamam de "Boi da manta". Uma cabeça de boi, uma armação de madeira coberta de chita colorida, uma banda e o povo atrás, com fantasias improvisadas, crianças e velhos, ricos e pobres. Ninguém paga nada e a diversão é garantida .
       Não nego em momento algum a importância turística do Carnaval. Recebemos gente do mundo todo,  os hotéis ficam com a lotação praticamente esgotada, dinheiro circula a rodo e as pessoas aproveitam para relaxar, "soltar os bichos", recarregar bateria para o ano  que  com certeza não será fácil. Depois da folia vêm os impostos(aliás, já estão ai), as contas que não param de chegar, a mensalidade da escola, etc, etc. Mas não consigo deixar de pensar em todo o dinheiro que circula nesse período. É muita utopia, mas, e se ele fosse empregado nas escolas(que não são de samba), na saúde(que já está sambada há muito tempo), na construção de casas para a população menos favorecida? Por que existe tanto dinheiro para o Carnaval e falta o mínimo  para as coisas mais essenciais?
    Quando os blocos passam, deixam atrás de si uma sujeira, uma confusão, as pessoas destroem os monumentos, o desperdício é inegável. Aquele montão de dinheiro foi pelo ralo, as pessoas viveram alguns dias de alegria, de euforia e após, precisam voltar  para a realidade das nossas cidades. E o que é pior, parece que durante estes dias em que ficaram  entorpecidos com a euforia, se esqueceram das  próprias misérias. Passada a festa  todos  nos lembramos da pobreza, do caos na saúde e as dificuldades de sobrevivência que os muito pobres se  sujeitam cotidianamente. Faltam leitos nos hospitais, remédios essenciais, pessoas continuam vivendo debaixo de viadutos, menores abandonados, usuários de droga sem tratamento, violência, fome, miséria, tudo isso lado a lado com a riqueza que resplandece  para os mais privilegiados.  O brilho e a purpurina, as plumas e paetês foram guardados para o próximo ano. E muitos continuam vivendo a fantasia, esperando que as coisas mudem. Depois, vão às cinzas, relembrar que voltarão ao pó. É uma pena, uma abstração, nada mais.