quarta-feira, 11 de julho de 2012

Eta vida mais ou menos



ETA VIDA MAIS OU MENOS

               Na vida há todo tipo de gente: engraçada, sem graça alguma, feliz. Há  os pessimistas,  daquele tipo que adoece até as pedras com sua desilusão perante a vida. Os extremamente otimistas, que enxergam o mundo com óculos cor de rosa de aro dourado. Existe gente para todos os gostos, desde o fanático religioso, o louco por futebol, o que só fala em política, o moralista, enfim, se fosse enumerar os tipos humanos com os quais nos deparamos por ai,  dava para encher folhas e mais folhas e não conseguiria esgotar o assunto.
               De todas as pessoas que já encontrei pela vida afora, tive o privilégio de conviver com um realmente sui generis. Não que fosse uma pessoa tão  diferente, ou que pudesse ser considerado brilhantíssimo,tipo gênio. Não, pois à primeira vista as pessoas diriam que ele era alguém que não seria percebido no meio de uma multidão pela simplicidade e despojamento,  porém, bastava o convívio por alguns momentos, ah....
               Lembrei-me dele por causa de um acontecimento recente. Cidade lotada, trânsito caótico, buzinaço, congestionamento, calor quase insuportável, ônibus atrasados e ele lá, assentado no chão, aparentemente indiferente ao movimento ao redor. Fiquei surpresa quando o vi afrouxar a gravata e tirar os sapatos. Não satisfeito, achou por bem estender as pernas e, num gesto da mais extrema descontração exclamou: eta vida mais ou menos!
               Fiquei surpresa não com as ações, posto que bem típicas do colega. O que me surpreendeu foi a expressão da mais plena felicidade, quase que de gozo. Quem visse a cena e não olhasse ao redor, para a barulheira, para o caos que se instalara, até poderia acreditar que meu amigo usufruía de um momento de lazer, que estava rememorando algo muito agradável, sei lá mais o quê. Nós estávamos ali, no final do expediente, aguardando um ônibus que certamente viria superlotado, que enfrentaríamos pelo menos mais uma hora até chegarmos em casa e ele  sentado sossegadamente  " à beira do caminho",  como se estivesse num trono ,um rei  rodeado por seus súditos mais fiéis.
               Escuta aqui seu maluco, fui logo falando, onde você pensa que está? Numa praia no Caribe? Sentado às margens do Sena, numa gôndola em Veneza? Enlouqueceu de vez?
               Não enlouqueci,  ele disse no melhor humor. Seguinte, nem fazemos ideia de como  ou quando vamos chegar em casa, mas  quando  chegarmos, é lucro.  Pensa bem: casa, comida e roupa lavada, cheirosinha, prontinha para ser usada. Já pensou quantas pessoas não têm isso? Mais ainda, quantos saíram e não voltarão para casa?
                Tudo bem pensei, ele estava certo, mas, me ajuda ai, a tal expressão de felicidade  continuava incomodando. Não via razão para tanto.  Qual o quê, colega, vai me dizer que você realmente está satisfeito com nossa situação?  Com o salário que nem dá para chegar até o final do mês?  Contas e mais contas para pagar, o tumulto de todos os dias no escritório, o chefe reclamando a toda hora, e isso e aquilo e etc, etc, etc...
(...)
               Bom, sempre pode melhorar um pouquinho que ninguém é de ferro, mas, pensa bem, estamos aqui, cumprimos nosso dever, fizemos nosso trabalho, amanhã começa tudo novamente, a rotina com a qual  já estamos acostumados há anos.  Temos capacidade para resolvermos  os problemas que surgirem e o melhor de tudo: estamos vivos e isto é uma dádiva. Mais que isso, você já pensou nos inúmeros milagres que aconteceram na sua vida até o dia de hoje?
             Pirou de vez, pensei.
           E ele enumerou o que considerava os milagres em nossa vida. Aproveitou para abordar um vendedor de picolé que passava por ali e regalar-se com o que dizia ser a delícia das delícias. E continuava constatando que  tudo o que eu achava entediante, maçante e desesperador eram  fatos normais da vida, coisas que, para ele, deveríamos agradecer e usufruir, pois o segredo de viver bem, dizia, é caminhar no  ritmo da vida. “ando devagar porque já tive pressa”,já ouviu isso?  Excepcional!  E ainda fez questão de me contar, não sei se verdade ou não, o caso de um executivo que se atrasara para o trabalho no World Trade Center,  porque sua mulher havia pedido  que  ele deixasse  a filhinha na escola. O sujeito ficara furioso, pois,  tinha uma reunião muito importante,  e foi exatamente por isso que ele deixou de ser uma das vítimas do 11 de setembro.  Bom, não era o dia dele, dei de ombros, fazendo pouco caso do otimismo que eu considerava exagerado, mas ele não se deu por vencido e continuou citando casos do acaso, de acidentes que foram evitados, de gente que sobreviveu a terremotos, soterramentos, dos mineiros do Chile, enfim, tanta informação que sugeri que ele escrevesse um livro de autoajuda. Faria mais sucesso do que muitos “gurus” que andam por aí, ironizei.  Meu amigo sorriu e explicou que a escrita não era sua praia, eu bem sabia, que seu talento realmente era com os números. Com eles sim, fazia prodígios.
               E tenho certeza de que ele continuaria falando incansavelmente , mas, não sei se por um daqueles milagres em que ele dizia acreditar, o ônibus chegou. Lotado, é claro, quase que não deu para entrarmos e só conseguimos depois de muitos empurrões. Então, provoquei, vai me convencer que isto aqui é o paraíso?
               Meu amigo sorriu, ofereceu-me um fone de ouvido. Vamos compartilhar, um pouco de música que fala para a alma.  Meu filho baixou estas e elas são  maravilhosas, acho que até  você vai gostar.
               Não sei traduzir a vibração, a força que senti emanar daquele coro espetacular, meu inglês é sofrível, mas o que entendi é que eles cantavam: Go down Moses( Let my people go). Ele depois me explicou que era um coral do Harlem e que oportunamente me  falaria um pouco mais sobre eles.
               É pois é, eta vida mais ou menos. Enfim, entendi, depende da perspectiva...

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