ETA VIDA MAIS OU MENOS
Na
vida há todo tipo de gente: engraçada, sem graça alguma, feliz. Há os pessimistas, daquele tipo que adoece até as pedras com sua
desilusão perante a vida. Os extremamente otimistas, que enxergam o mundo com
óculos cor de rosa de aro dourado. Existe gente para todos os gostos, desde o
fanático religioso, o louco por futebol, o que só fala em política, o
moralista, enfim, se fosse enumerar os tipos humanos com os quais nos deparamos
por ai, dava para encher folhas e mais
folhas e não conseguiria esgotar o assunto.
De
todas as pessoas que já encontrei pela vida afora, tive o privilégio de
conviver com um realmente sui generis. Não que fosse uma pessoa tão diferente, ou que pudesse ser considerado brilhantíssimo,tipo gênio. Não, pois à primeira vista as
pessoas diriam que ele era alguém que não seria percebido no meio de uma
multidão pela simplicidade e despojamento, porém, bastava o convívio por alguns momentos, ah....
Lembrei-me
dele por causa de um acontecimento recente. Cidade lotada, trânsito caótico,
buzinaço, congestionamento, calor quase insuportável, ônibus atrasados e ele
lá, assentado no chão, aparentemente indiferente ao movimento ao redor. Fiquei
surpresa quando o vi afrouxar a gravata e tirar os sapatos. Não satisfeito, achou
por bem estender as pernas e, num gesto da mais extrema descontração exclamou:
eta vida mais ou menos!
Fiquei
surpresa não com as ações, posto que bem típicas do colega. O que me surpreendeu
foi a expressão da mais plena felicidade, quase que de gozo. Quem visse a cena
e não olhasse ao redor, para a barulheira, para o caos que se instalara, até
poderia acreditar que meu amigo usufruía de um momento de lazer, que estava
rememorando algo muito agradável, sei lá mais o quê. Nós estávamos ali, no
final do expediente, aguardando um ônibus que certamente viria superlotado, que
enfrentaríamos pelo menos mais uma hora até chegarmos em casa e ele sentado sossegadamente " à beira do caminho", como se
estivesse num trono ,um rei rodeado por
seus súditos mais fiéis.
Escuta
aqui seu maluco, fui logo falando, onde você pensa que está? Numa praia no
Caribe? Sentado às margens do Sena, numa gôndola em Veneza? Enlouqueceu de vez?
Não
enlouqueci, ele disse no melhor humor.
Seguinte, nem fazemos ideia de como ou quando
vamos chegar em casa, mas quando chegarmos, é lucro. Pensa bem: casa, comida e roupa lavada,
cheirosinha, prontinha para ser usada. Já pensou quantas pessoas não têm isso?
Mais ainda, quantos saíram e não voltarão para casa?
Tudo bem pensei, ele estava certo, mas, me
ajuda ai, a tal expressão de felicidade continuava incomodando. Não via razão para
tanto. Qual o quê, colega, vai me dizer
que você realmente está satisfeito com nossa situação? Com o salário que nem dá para chegar até o
final do mês? Contas e mais contas para
pagar, o tumulto de todos os dias no escritório, o chefe reclamando a toda
hora, e isso e aquilo e etc, etc, etc...
(...)
Bom,
sempre pode melhorar um pouquinho que ninguém é de ferro, mas, pensa bem,
estamos aqui, cumprimos nosso dever, fizemos nosso trabalho, amanhã começa tudo
novamente, a rotina com a qual já
estamos acostumados há anos. Temos
capacidade para resolvermos os problemas
que surgirem e o melhor de tudo: estamos vivos e isto é uma dádiva. Mais que
isso, você já pensou nos inúmeros milagres que aconteceram na sua vida até o
dia de hoje?
Pirou
de vez, pensei.
E
ele enumerou o que considerava os milagres em nossa vida. Aproveitou para
abordar um vendedor de picolé que passava por ali e regalar-se com o que dizia
ser a delícia das delícias. E continuava constatando que tudo o que eu achava entediante,
maçante e desesperador eram fatos normais da vida, coisas que, para ele, deveríamos agradecer
e usufruir, pois o segredo de viver bem, dizia, é caminhar no ritmo da vida. “ando
devagar porque já tive pressa”,já ouviu isso? Excepcional! E ainda fez questão de me contar, não sei se
verdade ou não, o caso de um executivo que se atrasara para o trabalho no World
Trade Center, porque sua mulher havia pedido que ele
deixasse a filhinha na escola. O sujeito
ficara furioso, pois, tinha uma reunião muito importante, e foi exatamente
por isso que ele deixou de ser uma das vítimas do 11 de setembro. Bom, não era o dia dele, dei de ombros, fazendo
pouco caso do otimismo que eu considerava exagerado, mas ele não se deu por
vencido e continuou citando casos do acaso, de acidentes que foram evitados, de
gente que sobreviveu a terremotos, soterramentos, dos mineiros do Chile, enfim,
tanta informação que sugeri que ele escrevesse um livro de autoajuda. Faria
mais sucesso do que muitos “gurus” que andam por aí, ironizei. Meu amigo sorriu e explicou que a escrita não
era sua praia, eu bem sabia, que seu talento realmente era com os números. Com
eles sim, fazia prodígios.
E
tenho certeza de que ele continuaria falando incansavelmente , mas, não sei se
por um daqueles milagres em que ele dizia acreditar, o ônibus chegou. Lotado, é
claro, quase que não deu para entrarmos e só conseguimos depois de muitos
empurrões. Então, provoquei, vai me convencer que isto aqui é o paraíso?
Meu
amigo sorriu, ofereceu-me um fone de ouvido. Vamos compartilhar, um pouco de
música que fala para a alma. Meu filho
baixou estas e elas são maravilhosas,
acho que até você vai gostar.
Não
sei traduzir a vibração, a força que senti emanar daquele coro espetacular, meu
inglês é sofrível, mas o que entendi é que eles cantavam: Go down Moses( Let my
people go). Ele depois me explicou que era um coral do Harlem e que
oportunamente me falaria um pouco mais
sobre eles.
É
pois é, eta vida mais ou menos. Enfim, entendi, depende da perspectiva...
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