O menino que queria ter barba
( Para Thiago Fernandes e a turma da 801 da E.M.Hélio Pellegrino)
"Eu também tive um sonho que passou
Também sou feiticeiro e cantador
Eu também ouço histórias na voz do tambor
Eu também tive um rio que secou
Também sou guerreiro e sonhador
Eu também sei cantar pra não gritar de dor" - Sérgio Pererê
Ele queria uma barba, mais do que isso, sonhava com a barba. Cerrada, espessa, daquelas de impor respeito mesmo. Por isso, naquela manhã ao olhar no espelho, acreditou que aquela penugem fininha no rosto era a sua tão desejada barba. Como não tinha percebido antes? Será que ela estava ali o tempo todo e ele de bobeira? Ficou horas a fio apreciando sua "barba", passando a mão no rosto. Tinha lido certa vez a expressão: " um homem cofiava sua barba ". Palavra bacana, não sabia o significado, mas com certeza ela tinha uma certa importância. Tão importante quanto aquela barba, seu rito de passagem para a idade adulta. Agora seria ouvido e respeitado. Os pais nunca mais teriam coragem de chamá-lo de menino e afirmarem que com "aquela cara pelada" ele não tinha o direito de exigir liberdade. Sim, esta era a sua maior questão, as negativas injustificadas dos pais : Você não pode isso, você não pode aquilo, ainda é cedo, você é criança , a rua é perigosa, as pessoas são maldosas, cuidado ao atravessar a rua, tá na hora de fazer o dever, isso custa caro, tá na hora de dormir, larga esse videogame e tome blá-blá-bla. Ninguém merece uma marcação tão cerrada. Nem o Lionel Messi, o Cristiano Ronaldo, o time todo do Cruzeiro, Atlético ou Barcelona.
Que chatice! esse negócio de ser criança só servia para ele ouvir não, não e mais não. E algumas outras proibições básicas . Ruim mesmo era a nova mania dos pais, só para chateá-lo, todas as vezes que ele reclamava de alguma coisa lá vinham com o tal de aborrescente. Não é porque ele se tornara um pouquinho mais exigente e consciente de seus direitos que se tornara um aborrecido, um chato, um adolescente/aborrescente, como a mãe vivia repetindo. Ser criança tinha lá suas vantagens mas, bom mesmo era ser adulto, não precisar dar satisfação para ninguém, fazer o que viesse à "telha". E agora era a vez dele...
Que chatice! esse negócio de ser criança só servia para ele ouvir não, não e mais não. E algumas outras proibições básicas . Ruim mesmo era a nova mania dos pais, só para chateá-lo, todas as vezes que ele reclamava de alguma coisa lá vinham com o tal de aborrescente. Não é porque ele se tornara um pouquinho mais exigente e consciente de seus direitos que se tornara um aborrecido, um chato, um adolescente/aborrescente, como a mãe vivia repetindo. Ser criança tinha lá suas vantagens mas, bom mesmo era ser adulto, não precisar dar satisfação para ninguém, fazer o que viesse à "telha". E agora era a vez dele...
Saiu da frente do espelho com um olhar de vitória. Era um homem. Com barba e tudo! Queria só ver a reação da mãe.
- Mãe, notou alguma coisa diferente ? Dá só uma olhada.
- O quê? Vai chover hoje? disse a mãe, olhando o céu. Estamos mesmo precisando de chuva. E muita. Ta tudo seco por aqui . Se continuar desse jeito, daqui a pouco precisaremos racionar até a água do banho. Uma chuvinha é bem vinda.
- Não tô falando de chuva nem de banho.
- Seu time vai jogar hoje? O povo já tá soltando foguete antes da hora? Não ouvi nada.
- Olha pra mim mãe. Não notou mesmo? Nadinha???
- Seu time vai jogar hoje? O povo já tá soltando foguete antes da hora? Não ouvi nada.
- Olha pra mim mãe. Não notou mesmo? Nadinha???
- Continuo olhando e só vejo o meu filho de todos os dias. O mesmo de sempre. Tá querendo o quê? Tem dinheiro não. Fim de mês você já devia saber como é. Tudo contadinho...
- Ih mãe, não quero dinheiro, você pensa que toda vez que falo sério é porque quero dinheiro? Nem conhece o próprio filho. Olha pra mim, vim comunicar que a partir de hoje sou dono da minha vida. Viva a liberdade ! Vou gastar meu dinheiro do jeito que bem entender, fazer o que me der na telha; o mundo que me aguarde, eu sou mais eu ! Eu sou o cara!
- Ah é? Vai cair dinheiro do céu junto com a chuva? Tem alguém por ai distribuindo notas de cem e eu não fui avisada?Jogaram o prêmio da Mega Sena no nosso quintal? Que isso menino, tá com febre?
- Febre não mãe, tô com barba, olha só a minha barba, sou homem e barbado, viu!
- Barba? e isso é barba que se apresente? aliás, não tô vendo nada mais do que o de sempre, uns fiapos, ralinhos, quase imperceptíveis.
- Se é imperceptível mãe, como é que a senhora tá vendo? Só não quer admitir que tá vendo a minha barba, porque sempre disse que o dia em que eu fosse um homem barbado, seria dono do meu próprio nariz. Tá lembrada?
- Homem? Cadê meu Deus? Só estou vendo um projeto de homem, o meu filho, doidinho para crescer de repente, de um dia para o outro. Vai sonhando que ainda demora viu! De-mo-ra. E você não entendeu nada mesmo, eu usei uma metáfora. Uma figura de linguagem, sacou?
- Mãe, você tá pior do que a professora de Português; E usando gíria, você que sempre criticou as minhas gírias, que sempre me corrigiu. Que metáfora que nada, eu escutei direitinho todo esse tempo. Você falou bem sério e várias vezes. Eu ouvi você dizer que o dia em que a minha barba crescesse, eu seria dono do meu nariz.
- Filho, já expliquei, tenta entender de uma vez por todas. Dizer que se alguém tem barba torna-se dono do nariz é uma questão de retórica.
- Re - o quê? Isso eu nunca ouvi falar. Já tá inventando mais coisas só pra não me levar a sério, tô ligado. Ou isso é a sua mais nova gíria?
- Que ligado que nada, tá desligado, enganado, mal informado, tá por fora, "viajando na maionese".
- Que é isso mãe. Nem tô te reconhecendo. Tá modernosa mesmo.
- Tô usando o seu vocabulário, quem sabe assim você entende e para de me zoar...
- Sabe qual é o seu problema mãe, você não quer admitir que eu cresci, que já não sou mais o seu menininho. Eu sei o que é isso. Vi na televisão outro dia, um psicólogo explicou que as mães sofrem quando pensam que o filho vai embora e, quando ele vai, elas ficam com uma tal de "síndrome do ninho vazio." Eu jamais vou te abandonar mãe!
- Rá-rá-rá. Faz cócegas aqui porque a piada foi fraca. Faz-me rir. Ninho vazio. Escuta aqui menino, tenho mais o que fazer. E olha que não preciso de barba pra cumprir minhas obrigações. Não vou ficar aqui ouvindo essa ladainha. Se tem um negócio que não me falta é serviço: roupa pra lavar, passar, cozinhar, casa para cuidar. Marido, filho, etc, etc, etc. Ao contrário de certas pessoas que ficam inventando moda só pra aporrinhar a própria mãe. Eu trabalho meu rei. E não é pouco. Faça-me um favor: vai ver se eu tô lá na esquina vai . Que pirralho meu Deus, o que é que eu fiz pra merecer isso?
- Uai, você é minha mãe, e agora mãe de um homem.
- Então tá.O senhor é um homem. Sei... A partir de amanhã estará assumindo algumas responsabilidades inerentes à sua nova condição.
- Responsabilidades? Como assim? Que negócio é esse de inerente? É pra rimar com aborrescente?
- Santa ignorância. Nunca vi alguém que se diz homem nem saber o que significam as palavras.
- Sou homem mãe, não sou professor de Português, se é que você me entende. E então, fala ai, o que é esse negócio que você falou hem?
- Trabalhar, ajudar a sustentar a casa, esquecer o videogame, pagar a conta do celular, estudar à noite porque homem/adulto não estuda de manhã ao lado de criancinhas, acordar cedo( sozinho, porque eu é que não vou chamar ninguém, nenhum barbudo) e ainda tem a conta da academia, da assinatura da TV, afinal, o senhor é quem mais aproveita, a pizza do sábado, o clube, coisinhas assim básicas que até então eu e o senhor seu seu pai, o único verdadeiramente barbudo da casa assumimos. Sabe como é véi, coisas de adulto, tá ligado ? Pois é , Vossa Excelência, senhor da barba, deixou de um dia para o outro de ser nosso "aborrescente", portanto, hora de arregaçar as mangas. Bom demais o tempo ter passado tão depressa. Ufa!!! que alívio!!! Vai sobrar mais um dinheirinho para a mamãe aqui curtir a vida com o seu pai. Férias, que delícia! U-la-lá. Paris, espere por mim! Milgrau! Fui!
- Credo mãe, enlouqueceu? Viu o monte de gíria que você tá usando? Isso não tá combinando com você de jeito nenhum. Pode parar, esquece. Tudo isso só por conta de uma barbinha de nada? Eu hem?
- Febre não mãe, tô com barba, olha só a minha barba, sou homem e barbado, viu!
- Barba? e isso é barba que se apresente? aliás, não tô vendo nada mais do que o de sempre, uns fiapos, ralinhos, quase imperceptíveis.
- Se é imperceptível mãe, como é que a senhora tá vendo? Só não quer admitir que tá vendo a minha barba, porque sempre disse que o dia em que eu fosse um homem barbado, seria dono do meu próprio nariz. Tá lembrada?
- Homem? Cadê meu Deus? Só estou vendo um projeto de homem, o meu filho, doidinho para crescer de repente, de um dia para o outro. Vai sonhando que ainda demora viu! De-mo-ra. E você não entendeu nada mesmo, eu usei uma metáfora. Uma figura de linguagem, sacou?
- Mãe, você tá pior do que a professora de Português; E usando gíria, você que sempre criticou as minhas gírias, que sempre me corrigiu. Que metáfora que nada, eu escutei direitinho todo esse tempo. Você falou bem sério e várias vezes. Eu ouvi você dizer que o dia em que a minha barba crescesse, eu seria dono do meu nariz.
- Filho, já expliquei, tenta entender de uma vez por todas. Dizer que se alguém tem barba torna-se dono do nariz é uma questão de retórica.
- Re - o quê? Isso eu nunca ouvi falar. Já tá inventando mais coisas só pra não me levar a sério, tô ligado. Ou isso é a sua mais nova gíria?
- Que ligado que nada, tá desligado, enganado, mal informado, tá por fora, "viajando na maionese".
- Que é isso mãe. Nem tô te reconhecendo. Tá modernosa mesmo.
- Tô usando o seu vocabulário, quem sabe assim você entende e para de me zoar...
- Sabe qual é o seu problema mãe, você não quer admitir que eu cresci, que já não sou mais o seu menininho. Eu sei o que é isso. Vi na televisão outro dia, um psicólogo explicou que as mães sofrem quando pensam que o filho vai embora e, quando ele vai, elas ficam com uma tal de "síndrome do ninho vazio." Eu jamais vou te abandonar mãe!
- Rá-rá-rá. Faz cócegas aqui porque a piada foi fraca. Faz-me rir. Ninho vazio. Escuta aqui menino, tenho mais o que fazer. E olha que não preciso de barba pra cumprir minhas obrigações. Não vou ficar aqui ouvindo essa ladainha. Se tem um negócio que não me falta é serviço: roupa pra lavar, passar, cozinhar, casa para cuidar. Marido, filho, etc, etc, etc. Ao contrário de certas pessoas que ficam inventando moda só pra aporrinhar a própria mãe. Eu trabalho meu rei. E não é pouco. Faça-me um favor: vai ver se eu tô lá na esquina vai . Que pirralho meu Deus, o que é que eu fiz pra merecer isso?
- Uai, você é minha mãe, e agora mãe de um homem.
- Então tá.O senhor é um homem. Sei... A partir de amanhã estará assumindo algumas responsabilidades inerentes à sua nova condição.
- Responsabilidades? Como assim? Que negócio é esse de inerente? É pra rimar com aborrescente?
- Santa ignorância. Nunca vi alguém que se diz homem nem saber o que significam as palavras.
- Sou homem mãe, não sou professor de Português, se é que você me entende. E então, fala ai, o que é esse negócio que você falou hem?
- Trabalhar, ajudar a sustentar a casa, esquecer o videogame, pagar a conta do celular, estudar à noite porque homem/adulto não estuda de manhã ao lado de criancinhas, acordar cedo( sozinho, porque eu é que não vou chamar ninguém, nenhum barbudo) e ainda tem a conta da academia, da assinatura da TV, afinal, o senhor é quem mais aproveita, a pizza do sábado, o clube, coisinhas assim básicas que até então eu e o senhor seu seu pai, o único verdadeiramente barbudo da casa assumimos. Sabe como é véi, coisas de adulto, tá ligado ? Pois é , Vossa Excelência, senhor da barba, deixou de um dia para o outro de ser nosso "aborrescente", portanto, hora de arregaçar as mangas. Bom demais o tempo ter passado tão depressa. Ufa!!! que alívio!!! Vai sobrar mais um dinheirinho para a mamãe aqui curtir a vida com o seu pai. Férias, que delícia! U-la-lá. Paris, espere por mim! Milgrau! Fui!
- Credo mãe, enlouqueceu? Viu o monte de gíria que você tá usando? Isso não tá combinando com você de jeito nenhum. Pode parar, esquece. Tudo isso só por conta de uma barbinha de nada? Eu hem?
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