quinta-feira, 5 de março de 2015

Gente Maluca é beleza!!!
                       


"O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem..."
                                                   João Guimarães Rosa

 A vida às vezes é estranhíssima. Não sei  esta seria a melhor definição, mas, à falta de qualquer outra,  serve. De repente nos deparamos com situações inusitadas, acontecimentos sem pé nem cabeça, sem lógica alguma.
  E olha que não estou exagerando nem um pouquinho. Quase sempre  esses eventos  surgem nos momentos mais inesperados e nos lugares mais improváveis. É só distrair um pouquinho e pronto, a vida nos surpreende. Acontece cada coisa nesse mundo que sequer dá para descrever. Nem o melhor cineasta, nem o melhor roteirista ou novelista, nem Janete Clair poderia imaginar algumas situações.  
 Dia desses  ouvi  uma conversa  no 1502(longa viagem do bairro  Guarani até o centro de Belo Horizonte) e me diverti demais! Fui obrigada a segurar o riso, porque tive medo de que sobrasse para mim. A coisa estava feia,  mas, vamos às falas que por sinal eram hilárias.  Começou mais ou menos assim.
- Bom dia gente.
- De novo? A gente já não se viu hoje? Falei bom dia quando cheguei, você não se deu conta? E olha que o dia não está tão bom assim. Bom nada, só se for pra você. Acha bom andar nesse balaio lotado, quente, abafado e sacolejando sem parar? Deram o nome de lotação para esta coisa com justa razão. Lotado! e lotando a paciência dos humildes mortais que precisam dividir espaço com cada tipo... Benza-me Deus, que vida mais ou menos!
- Uai! é pura falta de assunto, vi vocês ai e fiquei sem saber o que dizer, então, a primeira coisa que veio foi bom dia. E o quê que tem? Você não ia querer que eu dissesse, péssimo dia, dia horrível, f....
- Aqui, não precisa exagerar,  mas "enche o saco" essa mania que vocês tem do tal de politicamente correto, polidamente educados, etc, etc, etc. Comigo não precisa isso tudo  não. Não faço a mínima questão ok?
- Tá bom, mas, que mau humor, credo! Ainda bem que amanhã é sexta-feira. É dia de você buscar os seus orgânicos, não é ? Vai desintoxicar o fígado, claro.
- Mas você é chata mesmo hem? Que mala sem alça, tinha de falar na sexta-feira, odeio as sextas, detesto tudo o que preciso fazer  nas sextas; é uma canseira só. Não quero nem pensar, já começo a sofrer  no final da tarde de quinta e  fico de péssimo humor.  Vou dormir tarde, fico rolando na cama,  que porre! acho um saco, detesto, ai, me dá até urticária.
- Nossa, por que a sexta-feira é tão ruim pra você? No sábado a gente não trabalha, dá para sair, tomar uns "birinaites", afogar as mágoas como diria a minha mãe. Ela adora filosofar, você acredita?
- Que filosofar que nada . E pobre por um acaso  filosofa, minha cara colega. Pobre só reclama, queixa da vida, do preço das  coisas, do destino. Sai dessa lama jacaré.
- Puxa vida, tá ruço mesmo, tudo o que eu falo você já  vem com sete pedras, que eu fiz para merecer isso tudo? Parece até que não gosta de pobre, aliás, não gosta de você, porque se fosse rica não estaria aqui, sacolejando e esbravejando desde a hora que tive a infeliz ideia de te cumprimentar. Não fiz nada demais, viu!
-  Ah fez, fez muito, entrou neste ônibus e já começou falando sem parar. Sem ponto nem vírgula . E  o que é pior, agora está se fazendo de vítima. Vê se desconfia e vai circulando!
Eu não falo demais, você é que está de péssimo humor e acha que as pessoas têm culpa dos seus problemas e anda mais azeda que limão. Aliás, vou circulando para onde? Deixa de ser chata, fica reclamando de tudo e de todos e depois quer dar uma de superior...
- E eu já reclamei alguma coisa com você? Nunca te dei esta liberdade viu! não ando falando da minha vida   para qualquer pessoa.
- Mas eu não sou qualquer pessoa. Sou sua colega há quantos anos?
- E eu fico contando os anos em que convivo com os estrupícios? Que coisa mais estúrdia.
- Que que é estrupício? Que que é coisa  estúrdia? Você tá me xingando do quê?
- Nossa, a ignorância está mesmo ao alcance de todos. Como diria o outro: "plebe rude e ignara". Aposto que você nunca leu nem Millôr e muito menos  Guimarães Rosa e outros grandes da nossa Literatura.
- E porque eu preciso ler Guimarães Rosa, o   Millôr ou qualquer outro desses  intelectuais que você tanto admira  para saber que você tá me "espateando" desde a hora em que eu entrei nesse ônibus. Se você fosse tão intelectual assim, com certeza saberia tratar melhor as pessoas.
  Espateando? Que palavra é essa? Buscou esse disparate onde? Nunca ouvi asneira tão grande. Inventou isso agora, tá achando que é o Guimarães? Ô coitada, você está a anos-luz de distância dele, aliás, ele de você, é claro.
Não é asneira, eu quis apenas ser sutil, mas se você prefere,  eu digo de outra maneira, você tá me escoiceando e olha que não é de hoje.
Ah bom, agora está melhor. Falou algo inteligível, até que enfim!
A essa altura da discussão, o povo era uma gargalhada só. Aquilo estava melhor que stand-up, penso que nem o mais popular  programa de humor conseguiria arrancar tantas risadas.
 De repente, a "amante" das sextas-feiras se dá conta de que  as sonoras gargalhadas eram por causa da conversa  nada amistosa que travava com a colega. Virou-se para trás e começou a esbravejar:
- Que que foi? Não se pode conversar sem que  um monte de "bico" fique de orelha em pé? Nunca ouviram ninguém debater ideias? Não sabem o que é um relação dialógica? Credo, como é difícil andar ao lado de tanta gente ignorante. É a periferia mesmo. Faça-me o favor!
Esperei  para ver a reação do povo do ônibus. Nada! Todos continuavam estourando de rir. E quanto mais o povo ria, mais a outra xingava. E entrava gente , saía gente e ela continuava, quase espumando, fula da vida:
- Ô povinho sem o que fazer. Ô gente inútil. É uma "pobraiada" que  acha muito bom  andar dependurada nos "balaios" da cidade. Vocês bem que merecem. E o pior é que eu me obrigo a dividir espaço com esse tipo de gente. É a derrota mesmo!
A colega tentou intervir:
- Deixa disso, para de ofender as pessoas, uma hora você acha alguém que te coloca no lugar. Fica aí  dando uma de importante, mas é igualzinha a qualquer um. Você não é diferente de ninguém aqui.  se te enxerga mulher, se dê o respeito. Coloque-se no seu lugar, bolas!
-No lugar só se for fora desse cata-jeca viu! E é o que vou fazer. Agora mesmo. Tchau!
-A outra ainda tentou ponderar:
-Pera aí, ainda está longe do seu ponto.  Que loucura, tudo por causa de um simples bom dia! Fica quieta, não vai dar uma de louca, aliás, não precisa mostrar que você é mais louca do que as pessoas estão imaginando.
Fui. 
E unindo ação à fala, desceu do ônibus, deixando para trás a colega, completamente perplexa.
- E não é que agora o dia já não tá tão bom assim ? Pra que eu fui abrir a boca?...



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