"Bom dia, tristeza
Que tarde, tristeza
Você veio hoje me ver
Já estava ficando
Até meio triste
De estar tanto tempo
Longe de você. " Vinícius de Morais
O mundo está repleto de pessoas tristes. Têm aquela tristeza que você percebe, algo que parece doer de não ter fim. De repente você se depara com alguém desse jeito. Não que a pessoa vá contar sua vida de dramas, uma história de tragédias. Não. Basta um olhar atento e pronto! Lá está! Silenciosa. Dor de doer demais. É como dizia José Mauro de Vasconcelos: "há pessoas que trazem a tristeza dentro dos olhos." Fato e fado.
Hoje eu me deparei com alguém assim. A tristeza era tão grande, que exalava. Como se tivesse cheiro e forma. Quase dava para pegar e, que peso! Era um garçom. Servia as mesas com atenção, delicadeza, atendia com rapidez e eficiência, apresentava a carta de vinhos, mas algo nele era pesado demais. E isso era perceptível no corpo encurvado. Apesar de aparentar uma certa elegância no trato, da maneira com dispunha os talheres e servia as bebidas, ele me passava alguma coisa de muita angústia. E era bem magro. As roupas sobravam no corpo, como se herdadas de alguém maior e mais forte do que ele. Pele macilenta, jeito de quem há muito não comia e nem bebia nada. Fiquei de longe observando: suas mãos, longas, calejadas como mãos de marinheiro acostumado a cuidar de redes, içar velas, serviço pesado que não tem fim. Poucos cabelos, completamente grisalhos. E um rosto onde as marcas do tempo pareciam comprovar um grande sofrimento. E uns olhos que diziam tanto....
Confesso que fiquei incomodada e curiosa. Tive vontade de perguntar ao garçom que me atendia quem era o seu colega. E passei um bom tempo ruminando. Estou ficando louca e vendo coisas. Pior, o que tenho com isso? O que posso fazer por alguém que sequer conheço e nem sei o nome? E honestamente, isso é pura indiscrição, não vou sair por aí perguntando a respeito das pessoas. Que ideia mais sem pé ou cabeça.
No fundo, uma música suave, às vezes melancólica. Tipo "dor de cotovelo". Esse povo aqui é meio "baixo astral", pensei. Fazia muito frio e lá fora as estrelas não brilhavam. Prenúncio de chuva, o vento uivava, balançando a copa das árvores. As luzes não eram fortes, aliás, tudo conspirava para um ambiente daqueles assim: me põe no colo que eu choro. É isso, estou me deixando contagiar pelo momento, pela chuva que começa a cair lá fora e enxergando coisas que não existem. Vai ver que a tristeza é toda minha. Ando com saudade de tudo e todos, as lembranças estão aí a todo momento. E essa música não ajuda em nada. Que tenho eu de fazer conjecturas a respeito dos outros? Tenho mais é de olhar para as minhas próprias mazelas, eu hem?
Vou pedir um bom vinho. Vai aquecer a alma e deixarei de pensar besteiras a respeito da tristeza ou não-tristeza alheia. Chamei o garçom, pedi a carta de vinhos, melhor, que ele sugerisse um que harmonizasse com o meu jantar. O que veio a seguir foi surpreendente: ele disse que chamaria o colega que era o sommelier, o melhor da cidade e, unindo ação à palavra, chamou o garçom triste. Tive quase certeza da minha teoria.Não era apenas eu que estava triste. Aquele lugar é que fazia com que as pessoas ficassem tristes demais! E ele tinha olhos profundos e angustiados mesmo. Não era só impressão. E sua pronúncia era um portunhol bastante acentuado. Falava como se cantasse um tango. Sugeriu um vinho encorpado, rubi brilhante e elogiou: é um vinho tão glorioso quanto uma ópera. Que ideia, vinho, ópera. Só pode dar em tragédia. E trouxe o vinho. Serviu cheio cerimônia, como se fosse um rito. Espero que a senhora aprecie... No fundo, Bethânia cantava. Percebi uma lágrima que ele segurava bravamente. Boa noite tristeza...
Nenhum comentário:
Postar um comentário