Sábado pela
manhã fui buscar os meus óculos. Ufa!!! Voltaria a ver o mundo plenamente, com todas
as suas cores e formas. Eu não nasci de óculos. Não. A exemplo da música dos
Paralamas: “eu não nasci de óculos, eu não era assim”, mas, com o tempo as lentes
se tornaram imprescindíveis. Mais do que isso, quase uma parte indestacável do meu corpo.
Enfim, chegou o dia. Fui buscar
os meus óculos. É claro que com isto não se brinca, afinal os olhos são “a janela
para o mundo” então, para aviar os meus, como costuma dizer a minha mãe, escolhi uma
das óticas mais tradicionais da cidade. Talvez
mais antiga (isto inspira respeito!). Adentrei a loja como pioneira que desbrava um mundo novo. Saquei da
bolsa o comprovante de pagamento e entreguei à atendente. Enquanto esperava olhava ao redor.
Interessante, alguém já reparou o quanto são lindos os modelos nas óticas? Tem aquela
loura altíssima, cujas pernas, reza a lenda, são quase toda a minha altura. E
os olhos então?! Cristalinos, duas pedras azulíssimas. Parece que ela tem uma marca
de armações bem modernas, que ensejam
dar uma leveza ao rosto de quem as adquire. Pelo menos é a “mensagem” vendida
pela publicidade. Há ainda aquela outra, atriz de novela, que passa a imagem de uma mulher mais clássica,
tipo Sophia Loren. E os rapazes então? Cada um mais bonito do que o outro,
parecem saídos de um sonho: ou é um atleta daqueles dignos do Olimpo, ou cantor
de maior sucesso no momento, o piloto de fórmula 1, aquele ator espetacular com um olhar tipo: me
leva pra casa....Ah...
Bom, em que
pese a beleza dos modelos, lentes e
armações, a escolha de um óculos é quase que uma maratona. Existem para
todos os gostos e bolsos. Alguns são tipo retrô, vintage, outros modernos,
fashion e sei lá mais o quê. E as tais lentes? Eu nem imagiva que existiam tantas: de
cristal, policarbonato, bifocal, multifocal, progressiva, polarizada e até orgânica
(e eu que pensava que orgânica era coisa do povo muito chegado à Ecologia, ô
ignorância!).
Escolhida a lente e a armação feitas as medidas,
os ajustes, vamos tratar do preço. É o
momento de pensar se ele caberá no orçamento do mês, se dá para fazer no cartão, em quantas parcelas e se vou conseguir
aquele desconto camarada que nunca passa dos 5% . E a mocinha simpática que me
atendia, diz que não pode ser mais, que é a “política” da loja. Política??? Tá
certo, estamos em época de eleições.
Bom, tudo isso
eu pensava ou rememorava, porque simpática mocinha “sumira” por muitos minutos.
E olha que nem me ofereceram um cafezinho, um copo d’água, nada. Já notaram
como as coisas ficam estranhas quando algo não sai exatamente como o esperado?
Fica um clima de tensão no ar, o interdito, ou não dito. O certo é que, volta e
meia alguém me dava um sorriso amarelo e eu fiquei pensando se a minha presença
ali numa certa insistência, estava se tornando um incômodo. Também não sei dizer quanto
tempo depois a não- mais sorridente mocinha voltou, dizendo que “consultei o nosso sistema e o seu
pedido ainda não se encontra pronto”. Meu Deus! Levou quase uma “eternidade”
para dizer que os meus óculos não estavam prontos? E precisa de sistema para me
dizer isto? Não era só verificar em algum lugar previamente estabelecido (por
questão de organização). Era o mínimo. Sistema é coisa de Matemática ou Informática. Eu
não preciso do sistema, preciso dos meus óculos! Já faz quase um mês! E olha que eu
nem vim busca-los na data marcada ai nesse pedacinho de papel. Esperei chegar o final de semana. E você levou
este tempo todo só pra me dizer isto? Só isto? E como eu fico agora? Preciso
ver o mundo por inteiro e não apenas uma fração, tá ligada?
A senhora
precisa entender, nosso laboratório não funciona aos sábados e, no “sistema”, não há nenhuma observação sobre o seu
problema.
Problema? Eu
não tenho nenhum problema, eu tenho miopia, bolas. E quem está com problema é você. Eu quero os
meus óculos, nada mais.
A mocinha,
agora nem um pouco simpática, continuou me olhando,indecisa, sem saber o que
falar. Que constrangimento! Eu estava ali, indignada, querendo os meus óculos.
Todas as justificativas que ela me apresentava não eram suficientes. Agora, nem me emprestando óculos
sobressalentes, nem oferecendo “aquele” desconto que a política da loja não
permitia.
Prometeu-me
que na segunda-feira, eu teria uma solução para o meu problema (meu não, da
loja, é claro). E a senhora nem precisará vir aqui. Telefonarei assim que
conseguir falar com o pessoal do laboratório.
Deve ser da Nasa esse
laboratório, pensei.
Sai da ótica decepcionada. Lembrei-me da história de Miguilim, do imortal João Guimarães Rosa.
Ele não sabia que era míope e quando pela primeira vez colocou óculos: “...Miguilim
olhou. Nem não podia acreditar! Tudo era uma claridade, tudo novo e lindo e
diferente, as coisas, as árvores, as caras das pessoas. Via os grãozinhos de
areia, a pele da terra, as pedrinhas menores, as formiguinhas passeando no chão
de uma distância. E tonteava. Aqui, ali, meu Deus, tanta coisa, tudo.”
Pois é menino
Joãozito, hoje eu entendi a mensagem do menino Miguilim que sempre morou em
você. E espero que o pessoal da loja, a mocinha quase simpática, a turma do
laboratório e do tal “sistema” também consigam entender.Eu quero os meus óculos!!!
Sabe Anete, geralmente as frases "produção em larga escala","produção em série","multinacionais e transnacionais" me causam urticária. Ao ler o seu texto, eu entendi o porquê. Assim como um tal "sitema" te irritou, essas frases "de efeito" também me irritam profundamente. Eu gosto mesmo é da mercearia do Sr. Manoel, que tem o meu nome na caderneta e que não usa de subterfúgios para dizer, simplesmente, que algo não está pronto. Ele,o Sr. Manoel diz na lata: Ah, minha filha, não chegou não! E eu... nem fico irritada. Sabe, o Sr. Manoel é gente, e gente tem empatia, sabe se por no lugar do outro. Já o sistema... acho que ele não tem coração. Mais empatia minha gente! Parabéns mais uma vez Anete...
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