O AGREGADO
Era um ser
estranho. Estranhíssimo mesmo. Vindo ninguém sabia de onde. O certo é que,
chegou e se instalou. Tomou poses e ares de dono, como se fizesse parte da família. E olha que não lhe deram tais
liberdades...Jamais!
Tinha
hábitos suspeitos e pouco recomendáveis. Chegava e partia a qualquer hora, não
tinha eira nem beira, nada que fosse seu. Vinha chegando de mansinho, andar
felino, ginga de malandro. Às vezes, aparecia totalmente estropiado: era um
arranhão aqui, um esfolado ali; coisas de gente vadia, afeita a brigas, confusões, banzés. Também, quem manda não ter
pouso certo, ser amante das noites, sumir tantos dias. Olhem só o aspecto dele,
a cara de fome, como está magro e maltratado, arranhado, quase acabado, dizia alguém.
Vai ver que ta doente, por isso voltou. Vê se pode!!
Pudera,
comentava outro, pra aceitar uma figura
dessa, só a gente mesmo. Isto aqui parece mais a “Arca de Noé”. É a mais
verdadeira pousada dos desvalidos. Tudo o que é esquisito aparece por aqui e
pronto. Se instala e toma conta da casa. Na verdade aqui é quase a casa de Mãe Joana, todo
mundo faz pousada...
E
ele, alheio aos comentários, seguia sua vidinha. Como se não entendesse nada,
ou melhor, fingia não entender. Era bem mais agradável não dar ouvidos àquele
povo. Que o “engolissem”. Não tinham outra opção! O “agregado”, nome que lhe
deram na falta de um outro melhor, tinha
naquela casa a vida que pedira a Deus. Se não lhe davam carinho, pouco
importava. Ao menos lhe ofereciam um pouco de comida. Restos é claro, mas
também não dava para ter luxos, os tempos estavam difíceis e se fosse escolher, com certeza
seria chutado para fora. Aí sim, seria um grande problema . Que eles eram chatos,
egoístas e intolerantes qualquer pessoa percebia, mas, ao menos não partiam
para a ignorância. Jamais sofrera agressões, chutes ou coscorões. Ataques verbais não incomodavam. “Cão que
ladra não morde”, tinha certeza disso, portanto, que falassem o tanto que
quisessem se isto os alegrava. Desabafar todo mundo pode e aqueles palavrões
não o incomodavam. Coisa de gentinha, mas, dava para tolerar.
Mas olha só, aquela gente
era do barulho...Não se preocupavam com o seu conforto, com suas precisões ou vontades.
Para dormir, arranjaram-lhe uns trapos que ninguém queria, coisa boa
para o lixo. Nada que fosse digno
de um ser especial e único como ele.Mas, fazer o quê?
E vamos reconhecer, cartaz
ali tinha era um certo cachorro. Sujeito
bazófio, metido à gente importante, cheio de vontades e regalias. Que se
danasse, e que fosse abanar o rabo para quem bem entendesse. Que seguisse a sua
vida, pois, nesse mundo há tipos com
gosto para tudo. Alguns sabem apreciar o que ela, a vida, oferece de melhor. Sabem admirar que é fino e
elegante, o viver livremente, sem cercas
ou cancelas. Outros, como aquela gente, preferem paparicar o cachorro; animal
sem decisões próprias, limitado aos muros de uma casa qualquer. Aquele tipo
jamais saberia das aventuras, das noites
sobre o telhado, de se cantar para a lua, da disputa pela amada...Também, o que
se há de fazer... parece que é a vida que ele pediu... Casa, comida, um ossinho ali, outro acolá, um passeio com o dono. Na coleira, claro. E ainda tomar conta da casa, latir para espantar sei lá o quê? Rien.
E o
agregado cônscio da própria liberdade, seguia a sua vidinha. Quando encontrava pouso em outro lugar mais agradável, ficava o quanto podia. Tinha comida? melhor ainda. Um lugarzinho bom para tirar uma pestana, oba....
Vez
por outra alguém sentia a sua
falta: gente, cadê o agregado? Há dias
não mete o focinho por aqui. quem viu?
Sei lá, sumiu de novo dizia outro. Tomara que não volte . Não está
fazendo falta nenhuma! Vai ver que virou forro de tamborim.... Churrasquinho de
esquina com farinha e pimenta....
Era
sempre assim, quando menos esperavam, quando já contavam com seu
desaparecimento definitivo, eis que ele surgia. Impávido. Voltou agregado?? dizia a dona da
casa, na maior impaciência. Olha só que cara mais esfomeada... Vou dar
alguma coisa pra você comer, mas depois, suma da minha frente. Sai, chega pra
lá,para de se esfregar em mim, Aqui não
tem nada de seu.Tá doido!!!. Some e
quando volta é sempre a mesma coisa. Depois,rua de novo, ingrato!!!
Gente!!!
O gato de rua voltou??? Credo, ô gato mais esquisito, sô...
Muito bom!!!
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