quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Uma vizinha do barulho


UMA VIZINHA DO BARULHO

Há um ditado popular que diz: “vizinho é o parente mais próximo”, mas, me ajuda aí, ô ditadozinho sem vergonha viu! A que mora aqui ao  lado é do barulho, contando ninguém acredita do que é capaz. E o pior, com uma expressão que não se altera. Acho que se pudesse, espalharia bengaladas para todos os lados. Sempre que  a contrariamos ou mesmo tentamos interromper seus incontáveis sermões, ai meu Deus!  O mais interessante é que a figura não combina nem o pouco com as ações: pequena, tipo mignon, cabelo de melindrosa, sempre cheirando a brilhantina, pele de biscuit.  Ela deve ter guardado em sua penteadeira potes e mais potes daqueles cremes que não existem mais. Adquiridos em mil novecentos e vovô rapazinho, é claro. E uma belíssima bengala saída direto do túnel do tempo. Mais parece coisa de museu.  
   Dona Fulana, que exige que a chamemos de madame, adora música. Eu também. E penso que ela tomou a si a responsabilidade de apurar o meu gosto musical. A cada manhã acordo com uma sonora ária de ópera. Aposto que ela possui um daqueles gramofones antiquíssimos, relíquia  de museu onde existem  coisas que não vemos mais em nenhum lugar.  Às vezes sai um som meio arranhado, dói os ouvidos.  Isso acontece bem cedo, muito antes do sol nascer. E dá-lhe O Barbeiro de Sevilha, Carmina Burana, Aída, Carmen, A Flauta Magica e Cavalleria Rusticana enfim,  o que há de melhor no mundo musical. O problema é que não precisava ser quase de madrugada.  Ela podia colaborar e deixar que eu ficasse nos braços de Morfeu por mais uma horinha só. Eu agradeceria penhoradamente. Não somente eu, mas metade do condomínio. Já pedimos reunião  extraordinária,  ameaçamos com pena de multa, gastamos todo o nosso latim, explicamos que as pessoas aqui  trabalham e vão dormir muito tarde,  que precisam das horas de sono e que ela deve  respeitar a lei do silêncio. A única coisa que conseguimos foi ouvir outro sermão. Ficamos com cara de bobos. Os argumentos são  os mais convincentes:
 Estão reclamando da minha música, que é maravilhosa, mas como é que suportam essa cidade tão barulhenta? Mesmo com a janela fechada, escuto freada de carro, buzina, gente que passa pelo corredor falando na maior altura, o barulho das campainhas, sirene,  ambulância, o “diabo a quatro”. E isso vocês bem sabem, a noite toda. Eu até hoje,  nunca bati na porta de ninguém para reclamar.  Sei que são as mazelas da cidade grande, que não podemos fazer nada. Escuto os filhos dos vizinhos gritando, arrastando os pés pelos corredores, o barulhinho chato desses joguinhos de celular  e tento entender.  Mas implicar com uma pessoa idosa é muito mais fácil. Velho aqui não tem direito, parece que está na hora extra! Vocês não respeitam o Estatuto. O idoso tem suas prerrogativas, tratem de cuidar da própria vida. São uns ignorantes, gente rude mesmo. Não tiveram uma boa formação musical. Demonstram que não aprenderam nada.  Sou da época do canto orfeônico, do solfejo. Moças prendadas tinham boas maneiras, sabiam tocar piano e faziam bordados primorosos. E o francês então? Falávamos perfeitamente! As senhoras e senhoritas eram respeitadas. Homem de bem ao passar por uma delas,  tirava o chapéu em sinal de respeito. Não nasci para conviver com esse tipo de “gentinha”. Passem muito bem e me esqueçam!
   Bom, ela deve ter estudado em 1808, com os jesuítas.  Continua vivendo por lá. Só pode. E pensando bem, acho que sou implicante mesmo. Até que a música é boa. O barulho da cidade está me estressando. Como sou intolerante!
   Dia desses aconteceu o inusitado. Cheguei cansada, morrendo de calor. Abri todas as janelas, deitei-me no sofá e decidi ouvir um som. Estava bem distraída quando a campainha tocou. Não esperava ninguém, estranhei. Mais estranho ainda foi quando  me deparei com a madame parada na minha porta, bengala em punho, cara de poucos amigos.
  Escute aqui, minha filha. Não foi você que reclamou da minha música? Não estava lá com aqueles selvagens ameaçando com multa e outras coisas mais? E agora coloca  esse som no último volume! Acha que eu sou obrigada a escutar o que você gosta?  Vim aqui para exigir que você abaixe o som ou então, já que não sabe ser civilizada, desligue esse aparelho!  Não me obrigue a escutar esse tum, tum, tum.
  Mas não está tão alto assim, repliquei. E essa música é boa demais. Tão boa quanto as suas óperas. Ele  é um dos melhores cantores das Gerais, viu!
  Para que fui falar. Quanta infelicidade!  Ela ficou ali na porta,  xingando tanto, mas tanto, sapateou, esbravejou, brandiu a tal bengala. Dessa vez, pensei, ela quebra a minha cabeça. 
 Mil desculpas, senhora dona madame. Não queria incomodar, estou desligando o som agora, aliás, já estou de saída. Nem sei por que voltei para casa tão cedo. Prometo não mais incomodá-la. Fui. Lá fora tá um calor mais que agradável. Vou tomar um sol, é o melhor que posso fazer.
   Voltei bem depressa para a rua. Para o caos, o calor  e barulho da cidade. Mas, quanta paz...

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

"Manda um abraço para Net...."

 Elas estavam alegres. Até demais. Daquela alegria que às vezes incomoda: muitos risos, todas falando ao mesmo tempo, comentários( pouco caridosos). Tudo bem faz parte, ou melhor, todos têm direito à felicidade, ao riso, à alegria. O problema é que elas estavam num coletivo, mais especificamente no circular 04, linha Savassi/centro/hospitais. Recém-saídas de uma reunião de trabalho, comentavam os últimos fatos e se divertiam com a situação:
- Você viu  o que a  fulana disse? Credo! meu poupe do vexame, só besteirol.
- E a outra então? Pensa que a gente é idiota. Quer nos enfiar goela abaixo as tais diretrizes, metas e resultados.
- E o  Mr. Pança?   Tava " lindo" hoje!  Com aquela gravata cor de rosa então... Choquei!
- E o bonitão da galera? Tava igualzinho um kiwi com aquela camisa. Novinha em folha. Quase brilhando!
- Ô inveja maldita! Aquilo é seda pura filha. Coisa fina. Aposto que não foi comprada nos lugares onde você costuma comprar. Só liquidação.
- Hum! Tá dizendo o quê? Que eu só compro nas promoções, que minhas roupitchas são de carrregação? Tudo a cinco ou dez "real". Huumm, desse jeito tá parecendo que agora entende de moda. Qual o quê filha. Tu entende nada não.
- rsrsrssrs.
- Ô pobreza. Mudando de pau para cavaco, viram que agora vamos precisar alimentar  o  tal do sistema todos os finais de tarde? Informação on line diariamente. Gostaram? O grande irmão de olho em vocês!!!
- Como é que é? Vou precisar colocar tudo em pauta? A "chefa" exigiu mais isso da gente agora?
- É a qualidade total, filha. Agora somos  quase empresa, estamos assim meio  profissionais liberais. Não ganhamos para tanto, mas precisamos trabalhar em dobro . Lerê, lerê, lererê, lererê. 
- Uai! Isso não é trabalho ! É serviço forçado,  para não dizer outra coisa. Coitadinha de mim, a continuar desse jeito, daqui a pouco vão me colocar  "nos ferros".
-Como vocês reclamam! Escutem aqui, precisamos alcançar as metas, senão nada de gratificação. Esqueceram de que um dinheirinho extra no final do ano sempre vai bem?  É a garantia do peru de Natal e do Champanhe do Réveillon, bolas! 
-Rsrsrsrs. Champanhe? Lá em casa é sidra e olhe lá! Acorda filha, com esse salário, daqui a pouco, do peru, só vamos poder comer o pescoço. E contadinho! Um para cada. E fim.
-Huuum!! Então você está admitindo que precisamos alcançar as tais metas. Puxa vida,  não percebe que elas são i-na-tin-gí-veis, pontuou a outra.
- Bom, façamos a conta. Estamos em novembro, até o dia quinze de dezembro podemos melhorar nossa pontuação, a gratificação de desempenho sai na folha complementar do dia 21(sexta-feira da alegria), então,  arregaçar as mangas e mãos a  obra!
- Sei, ralar , ralar,  para no final, reuniãozinha com a diretoria e: tchan-tchan-tchan-tchan:
- Colegas, infelizmente não alcançamos as metas. Apesar do esforço( hercúleo ) de alguns,  estamos muito abaixo das expectativas. Infelizmente, nem todos vestem a camisa. E estes,  são aqueles que nos prejudicam, detonam nossos sonhos e reduzem a pó o nosso Natal! A chefia lá em cima não gostou nem um pouco dos nossos resultados. Estão cobrando empenho, dedicação, vocês nem imaginam em que situação fiquei. A diretoria executiva ali, cobrando, questionando. Quase morri de vergonha. Fiquei tão vermelha que senti meu rosto queimando!(assassinou o português!)
- Cara de pau a nossa "chefa " Vermelha nada! Na hora que está brigando com a gente, cobrando, sapateando, não pensa que temos sentimento. Parece que ela  acha que somos uma máquina. Só produção!
- E é isso  mesmo! Aquela ali não parece gente. Só pensa em números, estatísticas, ganho de capital, fluxo de caixa, etc, etc, etc. Madame Excel.  100% on line, 200% juros e correção monetária.
- Tadinha! Ela se acha, aliás,  se tem certeza. Só não avisaram para ela que ela é : tipo Net.
-Rrsrsrs. Credo! Quero morrer amiga dessa gente linguaruda! No meu velório não admitirei esses comentários. Se exagerarem,  volto,  puxo o pé de vocês e ainda "borro" a maquiagem! E rodo a peruca também!
- Uai! Já marcou a data da partida?E nem fomos avisadas?
- Filha, você não tem todo esse poder!  Ninguém sabe quando partirá daqui. A continuar desse jeito,  vai achar que pode até fazer chover para estragar nossa progressiva. Quanta pretensão! Cai a ficha, filha, você é periferia, térreo, pé  no chão! Ou seja: pele, osso e maus pensamentos. Nada além!
- Um dia subo na vida, querida. Viro varanda, cobertura, avenida Vieira Souto.
- Gente, pre's tenção! Estamos no circular e vocês nessa barulhada. O que é que o povo vai pensar?
_ Uai! Pensem  o que quiserem,  bolas! Esse é um país livre. Posso falar o que quiser e bem entender.Pago meus impostos(que não são poucos), trabalho, cuido da minha família e blá-blá-blá.....
- Ih! Apelou perdeu! rsrsrsrs.
 Quase chegando ao centro, levanta um senhor, cabelos grisalhos, rosto marcado pelo tempo, ancião. Como diria a outra, um velho-ancião.  Carrancudo, resmungando, dedo em riste, dirigiu-se ao grupo e expeliu:
- " Tão pensando o quê? Que esse ônibus é a sala de reunião de vocês? Vieram cacarejando da Praça da Savassi até aqui. Nesse trajeto, conheci toda a diretoria e todo mundo que tem o azar de trabalhar com vocês. Sei como é fulano, sicrano, a roupa da "chefa", a barriga do outro, imagino como é o bonitão da galera. Que mulherada barulhenta. Eu hem? ainda bem que tou descendo desse pau-de-arara. Vou ali tomar uma branquinha. É o melhor que posso fazer,depois de ter aguentado vocês esse tempo todo" .
- Ai moço, deixa de ser mal-humorado viu! Vai procurar sua turma! Deixa a gente ser feliz!
- Quer saber , virou o velho-ancião: manda um abraço pra Net. Só ela pra aguentar vocês.
(...)


quinta-feira, 8 de novembro de 2012

]Estações

Verão.
Sol ardente
abrasador
nuvens passageiras
céu azul anil.
Lá fora, o canto dos pássaros.
Alguém forja em ferro e brasa
um instrumento do futuro.

Caem as folhas
brisa suave,
vento, norte/sul.
abrem-se flores e frutos

desabrocha a vida
Primavera.

As folhas caem,
continuam caindo
árvores desnudas
céu cinza chumbo
faz frio,
escurece
inverno.

Vem a chuva
volta o sol
frutos que amadurecem
vida que segue
outono

verão, outono, primavera, inverno
verão, outono, inverno, primavera.
Estações....
Ciclos da vida.